30 setembro 2010

Urubuzando a Bienal


Rolou um debate sobre o uso de animais na arte, e eu fiquei assistindo quietinho, pois ainda não havia formado uma opinião a respeito. O debate deu-se a partir de um texto que uma ONG publicou sobre os urubus usados na Bienal. Segundo o texto, os urubus iriam ficar ouvindo música alta, iriam ficar expostos à luz, iriam sofrer isso e aquilo. Argumento vai, argumento vem, e agora eu tenho uma opinião! Não é lindo? Segue:

Eu fiquei, durante esses dias, lendo os textos de todos, e lendo também o que saía na internet sobre o assunto, e acho que agora já tenho uma opinião sobre o assunto. Mas, antes de mais nada, queria fazer uma correção: diferentemente do que estava no texto do abaixo-assinado, os 50 alto-falantes não tocam música nenhuma. O silêncio deles é parte da obra.

Vamos lá. A princípio, não vi problemas em se usar um animal na obra. Era de se supor que eles seriam bem tratados, e também que não seriam bichos selvagens que foram confinados exclusivamente para a exposição, até pq, se fosse o caso, aí a discussão nem seria sobre arte; seria sobre polícia, e acredito que os organizadores da Bienal não estão interessados em aparecer nas páginas policiais.

Mas, intuitivamente, alguma coisa estava errada, e foi nisso que fiquei pensando durante esses dias. E aqui segue o que eu pensei.
O texto postado neste grupo iniciou uma discussão sobre o TRATAMENTO (foco nesta palavra) dos animais na exposição. Aliás, o próprio texto foca esse aspecto, quando diz que é um absurdo não a exposição em si, mas as condições a que os animais estariam submetidos (os alto-falantes que estariam tocando música alta, o estresse de ficar o dia inteiro sob forte iluminação e sob os olhares e barulhos dos visitantes, etc), de forma que, aparentemente, o texto não condenaria a exposição dos urubus se eles estivessem sendo bem tratados, e foi isso que levou o grupo a discutir as vantagens biológicas do urubu ser dominado pelo homem (e poder ser exposto) versus as dificuldades que ele passaria na natureza, etc.
Na minha opinião, portanto, a discussão estava equivocada. Acho que ninguém discorda quanto a ser imperativo que animais domésticos ou domesticados sejam bem tratados. Além disso, a discussão quase partiu para 'aquilo é arte?', mas, ainda assim, acho que não se discutiu a essência do que estava acontecendo: 'é justo/lícito/correto/ÉTICO que se use animais vivos em uma obra artística?'.

Reitero um ponto, para que fique bem claro: estou 'descartando' a discussão sobre o tratamento dos animais pq acho que isso é um ponto de convergência. O bom tratamento dos animais é premissa, não está aberto a questionamentos, e o texto inicial, com toda a intenção de se mostrar contra o uso dos animais, acabou apelando para a mistificação de que os animais estariam sofrendo, provavelmente com a intenção de sensibilizar ainda mais o leitor, mas isso fez com que se escapasse a discussão principal, que é essa que estou propondo agora (e que propus a mim mesmo enquanto pensava sobre tudo o que vocês escreveram): 'é correto que se use animais vivos, ainda que bem tratados, na arte?'.

Para balizar minha opinião, utilizei a igual consideração de interesses, tema do Peter Singer. Questionei-me:
- Ser exposto numa obra de arte trará de forma objetiva e incontestável algum benefício para o animal?
Evidentemente a resposta é 'não', já que ele seria (deveria ser) bem tratado de qualquer forma. Pior ainda se estivermos falando de um animal selvagem, capturado apenas em nome da arte.
- Ter o animal exposto numa obra de arte trará de forma objetiva e incontestável algum benefício para os homens?
A resposta também é 'não', já que qualquer tipo determinado de arte é sempre contingente, nunca necessário (o que não significa que a arte em si não seja necessária; mas existem infinitos tipos de arte, e aquela específica que usa os urubus não é necessária).

Reparem que estas questões, se aplicadas ao uso de cobaias, ou ao uso de animais na alimentação, trarão respostas diferentes, já que há sim benefícios claros e inequívocos aos homens na criação de vacinas e medicamentos, e a alimentação nem precisa ser argumentada, certo?

Bem, por esses motivos acho que o uso de animais como 'obras de arte' deveria ser proibido. Aliás, acredito que os animais possuem o mesmo grau de inimputabilidade de uma criança, o que nos leva, no mínimo, a pensar se o tratamento dispensado a ambos não deveria ser o mesmo. Imaginem uma criança que mora na rua, que é espancada pelos pais, sendo exposta numa obra de arte (atenção: ela não estaria sendo exposta POR CAUSA dos maus tratos que sofre, mas seria um complemento da obra, seria parte da obra, e não A obra), e, questionado, o artista diria que ela está sendo muito bem tratada, recebe 3 refeições por dia, cuida da higiene, e está muito melhor na exposição do que estava antes, na rua ou apanhando dos pais.

Ah, já admito logo: sou especista, o que não significa que acho que podemos maltratar os animais à vontade. Há formas de utilizá-los para o bem da humanidade sem fazê-los sofrer, ou ao menos evitando ao máximo qualquer sofrimento desnecessário.

E, pra finalizar, minha opinião sobre aquela obra de arte específica: acho uma idiotice usar os urubus. Acho que ficaria mais significativo se, com os 50 alto-falantes mudos, o artista formasse a imagem de um urubu, por exemplo.

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