16 dezembro 2007

Quem são vocês?

Odeio auto-ajuda. Pra ser sincero, não gosto nem de quem gosta de auto-ajuda. Gosto menos ainda de quem usa a ciência, distorcendo-a, para "comprovar" preceitos de auto-ajuda. Pois é. Há algum tempo me disseram pra assistir o documentário Quem Somos Nós, que falava de física quântica, talz. Eu esperava algo do tipo daquela série de reportagens do Marcelo Gleiser no Fantástico, que era uma forma de simplificar a ciência para os mais leigos, mas sem tratá-los como idiotas, e muito menos usando má fé para fazer com que esses leigos sejam convertidos a alguma crença. Bom, é exatamente isso que este documentariozinho faz.

Em primeiro lugar, já vejo com alguma desconfiança quando documentários que pretendem apresentar especialistas não listam suas credenciais. Explicando melhor: credenciais não querem dizer nada. Quando eu estou debatendo com alguém, eu não ligo se o cara é um professor de Harvard ou um pedreiro. Eu ligo, sim, para o que está sendo dito, se é feito com lógica, etc. Mas eu sei que apresentar credenciais é praxe em documentários, justamente para que o espectador, que não vai DEBATER com o cara, saiba que ele é importante e saiba o que diz. Quando não se apresentam as credenciais, parece que as pessoas não são, digamos, as "mais especialistas" no assunto. Este documentário é exatamente isso.

Em segundo lugar, ele simplesmente distorce conceitos sobre física quântica, para que estes conceitos sejam aplicados à nossa vida! O que é isso, minha gente, distorcer as coisas e apresentar isso como se fosse ciência? Aliás, outra coisa, o negócio já começa de uma forma estúpida. É um filminho que fala sobre a história do embate ciência x religião. Todo aquele blábláblá acaba num resultado interessante, vejam vocês: a ciência PRECISA da religião, e vice-versa! Interessante, não? Ridículo. Isso é apresentado como se fosse uma verdade e ponto! Já fiquei meio assim.

O golpe mortal foi quando, ao explicar o conceito de dualidade partícula-onda (um elétron se comporta como onda, mas, ao ser observado, se comporta como partícula). Ele diz que o observador interfere na experiência. Neste caso, é verdade, pois para observar qualquer coisa, é necessário jogar algumas partículas nessa coisa. No caso de coisas grandes, as partículas de luz não fazem muita diferença. Ou os raios-x, ou ondas eletromagnéticas. Nada disso importa muito no mundo macro. MAS, no mundo subatômico, jogar uma partícula contra o que está sendo observado implica em alterações. Analogia: jogar uma bola de golfe num prédio não vai fazer o prédio mudar de lugar, não vai fazer o prédio se movimentar um único milímetro. Mas jogar uma bola de golfe em outra bola de golfe vai fazer uma diferença absurda, não é?

Pois é, essa analogia eles não fazem. Eles só vão até a parte de que o simples observar altera a experiência, o que é verdade. E aí, usam uma desonestidade que poucas vezes eu vi em minha vida: trazem este mesmo modelo ao nosso mundo! Dizem que, em nossas vidas, nós alteramos o ambiente em que estamos com o nosso pensamento. Tipo, pensar positivo traz coisas boas, e pensar negativo traz coisas ruins (daí pra frente, o negócio só gira em torno disso: pense coisas boas, e coisas boas acontecerão). Usam a ciência para fazer com que os leigos achem que a ciência VALIDA essas crenças! MENTEM. ILUDEM.

Fora uma das coisas mais engraçadas, que simplesmente deixa evidente que se trata de crença: tem uma hora que um cara diz, com outras palavras, que é idiotice acreditar que existe um deus que fica vigiando as pessoas, e pune quando se sente ofendido, que quem acredita nisso está errado. O certo é acreditar em pensamentos positivos. Eu quase ri nessa hora. Me fala se isso não parece um crente tentando converter alguém... Pior: em nome da ciência!

Poucas vezes eu não consegui assistir um filme ou um documentário até o fim. Eu sou bem paciente. Mesmo quando o negócio é ruim, como SuperSize Me (aquele documentário sobre o McDonalds, onde o cara come em um mês o que uma pessoa normal comeria em 8 anos), eu assisto até o fim. Esse não deu. Sério, eu fico nervoso vendo essas coisas. O problema não é nem falar da sua crença. Novamente, é usar a ciência para dizer a quem não conhece de ciência que a ciência comprova que sua crença é verdadeira!

Quem Somos Nós é ridículo. Não é ciência. Pensamentos positivos são tão funcionais quanto astrologia. Quer assistir, assista. Mas não faça como tantas outras pessoas que acreditam naquilo como se fosse ciência, e depois se metem a discutir teorias de física quântica aplicada ao relacionamento humano! Por favor...